O Círculo de Leitores está a editar a obra Lugares Mágicos de Portugal, da autoria de Paulo Pereira, tendo sido recentemente editado o 2º volume. Neste volume, relativamente à Beira, identifiquei referências ao Templo de Idanha-a-Velha, Templo da Senhora do Almortão, Templo de Almofala, em Figueira de Castelo Rodrigo, Torre de Centum Cellas e à Ermida de S. Pedro de Vir-à-Corça. Como esta última é menos conhecida e visitada, embora a sua localização, nas proximidades de Monsanto, nos podesse dar uma ideia contrária, já que quem visita Monsanto poderia também incluir no seu roteiro uma visita à ermida de S. Pedro, transcrevo o magnífico texto, sobre o tema, da obra citada. Esta explicação abre-nos horizontes, nomeadamente no referente à influência árabe em toda a região e também, por comparação à influência posterior das Ordens religiosas.
“Conhece-se, embora mal, o primeiro monasticismo do período paleocristão. Cenóbios: Um dos exemplos mais importantes parece ser o de São Cucufate, villa romana fundada no século i e remodelada nos séculos iii e iv d. C., que receberá uma primeira comunidade monástica, mais tarde reconduzida ao cristianismo «romano». Não é ainda de afastar a hipótese de algumas das construções ditas «visigóticas» terem previamente sido mosteiros masculinos paleocristãos, quando se dá a passagem de um culto doméstico para um culto mais «manifestado», no decurso do século VI. Eremitérios: Mas conhece-se ainda menos o monasticismo eremítico ou cenobítico dos tempos suevos, visigóticos ou moçárabes. Contrariamente ao que acontece na Galiza, são poucos os testemunhos existentes de estruturas monásticas deste tipo, muitas delas de carácter rupestre e dificilmente identificáveis. De facto, trata-se, a maior parte das vezes, de grutas naturais em pleno bosque ou em zona de montanha (os verdadeiros «desertos» dos místicos), ocupadas pelos eremitas (ao que cremos, a igreja românica de São Pedro das Águias e o lugar peculiar da sua implantação devem ter como origem um destes eremitérios), ou em montes e lugares sagrados, como a serra d'Ossa ou o cabo de São Vicente, entre outros, que deverão ter acolhido este tipo de comunidades depois institucionalizadas durante os séculos XIV a XVI. Estes eremitérios estão também na origem de inúmeros «mitos de fundação» de mosteiros ou santuários mais tardios da Baixa Idade Média, como é o caso de São Pedro de Vir-a-Corça em Monsanto. Foram diversos destes cenóbios e eremitérios que São Martinho de Dume e São Frutuoso ocuparam na sua busca incessante de disciplinamento dos monasticismos «selvagens», lusitanos ou calaicos. Islão: Não menos interessante será obter dados, hoje ainda escassos mas em progresso, sobre o monasticismo muçulmano corrente, bem como o que se prende com as associações guerreiras. As «ordens» de monges-guerreiros islâmicos são de presença certa em Portugal, e o nome da serra da Arrábida dá disso conta, remetendo para a existência de um ribat árabe mais tarde reconvertido e cristianizado, e ainda adaptado a eremitério franciscano no período contra-reformista (segundo terço do século XVI). Recentemente foram localizados vestígios arqueológicos de um importante ribat no Algarve. Deve ainda ter-se em consideração o eremetismo muçulma no relacionado com as diversas tendências espirituais islâmicas (xiismo e sunismo, ou variantes gnósticas como o sufismo -para simplificar o tema). Se as anteriores são difíceis de caracterizar, mais ainda as relativas aos gnosticismos islâmicos, sendo certo que existiram no nosso território próximas das áreas de implantação moçárabe, e sendo presumíveis os contactos entre as duas comunidades religiosas. 0 que aqui fica dito reporta-se ao domínio das hipóteses, bem entendido. Os templos ou capelas de forma cúbica mais antigos, conhecidos por “cubas” (kaabas), podem ser um reflexo deste movimento, tratando-se de vestígios, algumas vezes cristianizados, de túmulos de «santões» (de homens santos) muçulmanos – como parece ter acontecido no Cadaval ou no cabo Espichel. Arriscamos atribuir ao xiismo eventuais estruturas monásticas, mais centradas na Estremadura, não muito longe dos vestígios moçárabes - ou da sua área de interacção religiosa mais importante -, enquanto que o sunismo deverá predominar no Sul do país - em terras alentejanas e algarvias. Matérias que a arqueologia tem desentranhado, ou que remanescem residualmente em estruturas monásticas mais recentes, já da Idade Média ou mesmo do período moderno. moçárabe: Se o eremetismo e o cenobismo pelágicos constiuem referências quase míticas, salientando-se algumas estruturas de carácter mais monumental que sobreviveram termos arqueológicos, o moçarabismo apresenta já vestígios mais consideráveis, embora discretos e pouco monumentais. Cremos também que o moçarabismo não procede a uma interacção territorial com o peso que as ordens “medievais” mais tradicionais vêm a introduzir.
Paisagem das imediações da Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, Monsanto, Beira. Nesta área encontra-se um gruta eremítica que terá sido utilizada por uma comunidade cenobítica cristã antes da fundação do pequeno mosteiro românico que ali foi fundado - ou refundado no século XII. Exemplos como este abundam, sendo provável que semelhante processo se tenha dado em São Pedro das Águias, revelando deste modo a ancestralidade visigótica ou moçárabe dos eremitérios (de regra rústica) face a muitas das fundações monásticas duocentistas.”
In: Enigmas: Lugares Mágicos de Portugal, Paulo Pereira, Vol. 2, Círculo de Leitores, 2004
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