sexta-feira, março 31, 2006

História da Dielmar e lições de gestão empresarial

A Dielmar prepara a abertura de uma nova loja no Oeiras Park, alargando assim a rede de lojas próprias. Vai ficar no mesmo corredor da Zara e Maximo Dutti, concorrentes espanholas, desejamos bons negócios e capacidade criativa e de inovação à empresa Industrial de Alcains. Força, a Beira Interior tem garra e pode impor-se neste mercado, não são só falências e encerramento de empresas.




in: Jornal do Fundão


SECÇÃO: Entrevista

RAMIRO RAFAEL
«Temos de enfrentar a crise com muito cuidado»

Empenho e espírito de sacrifício. Coragem para arriscar tudo no momento certo e humildade para gerir a empresa ao mais alto nível. Foi com estas características que os sócios da Dielmar construíram uma grande empresa, hoje líder de mercado. Enquanto outros apostaram no mais fácil os fundadores da Dielmar foram pelo caminho mais difícil para alcançar o êxito

JORNAL DO FUNDÃO – Como nasceu a Dielmar em Alcains?


RAMIRO RAFAEL – Eu e mais três colaboradores da alfaiataria do meu pai entendemos que chegava a hora de em Portugal começar a industrializar esta arte, dado que lá fora já estava a acontecer. Em Portugal havia apenas duas indústrias em Lisboa e uma no Porto. E ficou provado que era mesmo a hora própria. Preparámo-nos devidamente, fomos às feiras a Itália e a Espanha e fomos absorvendo o que estava a fazer- -se de melhor no mundo das confecções. Desde o primeiro dia que apostámos na marca Dielmar que surgiu da primeira sílaba dos sócios – Dias, Hélder, Mateus e Ramiro.

Começou desde logo a apostar no segmento médio-alto?

Foi graças à formação na antiga alfaiataria que nós pudemos dar um cunho de mais qualidade à confecção. Teria sido muito mais fácil não enveredar por esse caminho e fazer uma confecção de menor qualidade. Só que não teríamos tido o êxito que felizmente fomos tendo. Mais uma vez fica provado que do trabalho é que vem tudo. Foram muitos serões para organizar tudo porque os sócios geriam a empresa, faziam os moldes até há pouco tempo. Há cerca de um ano deixei de ser administrador executivo. A minha parte foi mais a supervisão de modelagem e tudo o que é tecnicamente necessário, porque é uma área em que não há muita gente com esta formação.

Foi um investimento muito elevado?

O investimento não foi excessivamente elevado. Cada um arranjou a sua parte, mas o meu pai era o fiador e fomos levantando algumas centenas de contos que naquele tempo era muito dinheiro, até conseguirmos estabilizar.

Começaram logo com uma grande estrutura?


Começámos com alguma dimensão, se olharmos para a alfaiataria. Eram cerca de 30 funcionários, (pouca dimensão para uma fábrica). Fomos crescendo, pouco-a-pouco, primeiro com clientes nas principais cidades a região e depois saltámos para Lisboa, sete anos depois. A colecção tinha de ser bem pensada. Tinha a sorte de conhecer as principais casas de alfaiates no país. O meu pai sempre esteve ligado e era conhecido no meio da alfaiataria. Começámos logo a apostar no segmento médio-alto. Era muito mais difícil e foi esse o nosso grande desafio. Ainda hoje continua a ser a nossa grande aposta mesmo com esta crise e com todas as alterações do mercado, mas enquanto conseguirmos ir fazendo a diferença...

Quem eram nos anos 70 os seus principais clientes?

Começámos a vender para os principais estabelecimentos de confecção das grandes cidades, como o Pestana e Brito, o Lourenço e Santos ou o Rosa e Teixeira e a Casa Adão. Havia falta de quem pudesse vender, porque as pessoas não tinham preparação para vender fatos e artigos para homem e foi um problema que tivemos de resolver pessoalmente. Um ou dois de nós é que andámos na rua, a princípio sozinho e depois com o vendedor para o preparar. Ao fim do primeiro ano e na segunda estação, tivemos a sorte de ter já bons clientes, mas fomos nós os sócios que fomos vender a Lisboa, porque era preciso falar a linguagem desta arte para perceber o que os clientes queriam.

Recorda-se de algum momento difícil?

Houve muitos. Por exemplo, aquela fase a seguir ao 25 de Abril foi terrível, em que tudo estremeceu, havia dificuldades muito grandes e não se faziam vendas, foi uma crise ainda pior do que a de hoje. Mas aprendemos sempre com as falhas e as crises e foi graças a essa fase que nos lançámos nas exportações, em busca de grandes clientes e voltámo-nos para França e depois para Espanha, Estados Unidos, Canadá.

Foi esse o segredo, terem sido os sócios a dedicar-se inteiramente à empresa?

Tínhamos que o fazer, porque estávamos preparados e na época não havia vendedores preparados e tivemos que furar, bater às portas e ter coragem de apresentar a empresa.

As marcas próprias e a comercialização directa do produto foi imprescíndivel para o sucesso da empresa?

As lojas surgiram há cerca de seis anos, quando começámos a perceber que os nossos clientes começavam a ter dificuldades. Muitas dessas casas famosas começaram a desaparecer e outras a envelhecer. Percebemos que os centros comerciais eram uma realidade e estes nossos clientes sempre fizeram guerra aos centros comerciais. Ali vendia-se roupa de homem e tínhamos que estar lá, para ampliar o conhecimento da marca e dar notoriedade à marca. E tivemos que entender que o nosso lugar também era nos centros comerciais. Foi essa, aliás, a tendência das grandes marcas de confecções que acabaram por apostar em lojas próprias.

A modernização da empresa sempre foi uma preocupação? Sempre importaram estilistas?

Desde sempre tivemos cá na empresa alemães e italianos, ainda recentemente cá esteve um italiano e hão-de vir outros para nos actualizarmos. Mas é preciso haver na empresa quem assimile, quem perceba a linguagem para assimilar todos os conhecimentos, porque senão vão embora, fazem despesa e não deixam nada.

A exportação começou com uma crise em 1975 e hoje a quota de exportação representa já 42 por cento do volume de negócios. A Dielmar irá apostar noutros mercados?

Sim, na Dinamarca, Alemanha e Inglaterra estamos a tentar subir as vendas, porque cada vez há mais concorrência e as pessoas deixaram de ter a capacidade de consumo que tinham, mesmo no segmento médio-alto. O nosso principal mercado eram dois clientes muito bons americanos, quer em qualidade como em quantidade, mas com a entrada em vigor do euro, ficámos sem preço para eles. Agora temos um cliente russo que parece ter uma certa dimensão. Estamos com as coisas encaminhadas e vamos começar a trabalhar para o Brasil.

O principal mercado da Dielmar é Espanha?

Sim, é muito importante, temos mais agentes a trabalhar em Espanha do que em Portugal. Quando há cerca de uma década, decidimos apostar fortemente em Espanha, ninguém imagina as dificuldades para nós entrarmos nesse mercado (e continua a haver), porque os espanhóis são terrivelmente nacionalistas. Nós pecamos pelo contrário, porque o que é estrangeiro é que tem qualidade. Eles quase que exageram. Tivemos uma loja em Badajoz que não teve sucesso. Continuamos a ter clientes espanhóis, como o El Corte Inglês. Mas foi difícil vender a marca Dielmar. No princípio produzíamos confecção para outras marcas espanholas, porque o mercado não era receptivo a marcas estrangeiras.

Preocupa-o a crise actual?

Muito. Temos de enfrentar esta crise com muito cuidado, não basta julgar-se que a Dielmar é uma referência para estar tudo feito. Continua a não estar tudo feito. É preciso olhar sempre em volta e ver o que falta.

As vendas desceram?

No geral, não desceram muito. Em 2005 desceram um pouco, mas no ano anterior tinham subido e este ano, estamos convencidos que as vendas vão voltar a subir.

Como ultrapassaram essa crise no pós 25 de Abril?

O primeiro alargamento da fábrica fizemos a seguir ao 25 de Abril, quando tudo aconselhava o contrário. Quase que nos chegámos a arrepender. Na altura já tínhamos tudo organizado e arriscámos e depois tivemos sorte, porque entretanto as coisas normalizaram e beneficiámos dessas vantagens e isso também nos obrigou a ir vender a outros mercados. Quando nos chamaram tantas vezes tontos por estarmos a investir naquela altura, chegámos à conclusão de foi perfeitamente correcto, mas é preciso ter muita coragem e arriscar um pouco.

Existem constrangimentos pelo facto da Dielmar estar no interior do país?

Não é tão simples a resposta, mas gostamos de dizer que nunca considerámos isso um constrangimento. Na altura foi complicado, estávamos longe dos principais mercados de vendas, mas estávamos perto dos fabricantes, dos lanifícios. Mas hoje não se pode já responder bem assim, porque 60 por cento dos tecidos desta casa são importados da Itália e os outros 40 por cento é que vêm da Alemanha, França, Espanha, Portugal e Inglaterra.

No início provinham dos lanifícios da Covilhã?

De 1965 a 1970 vinham da Covilhã.

Como analisa a crise têxtil na região, e o sucesso de apenas algumas empresas ?

Em relação à Covilhã, há que ter em conta um aspecto muito importante. É que desapareceram pequenas fábricas, mas surgiu uma muito grande. O Paulo de Oliveira é actualmente o maior produtor da Europa, ao nível da quantidade e nalguns escalões a qualidade e é um dos nossos grandes fornecedores. Hoje fornece quase tanto como naquele tempo forneciam muitos.

O que falhou nas confecções que faliram na região?

Foi terem ido pelo mais fácil que era produzir muita quantidade e não importava muito a qualidade e isso hoje faz-se na China. A nossa sorte é que a China para fazer o nosso segmento tem de levar muitos anos. E estamos esperançados que quando chegarmos lá, os chineses já tenham aberto os olhos e entendido que também são filhos de Deus, eles não são escravos.

Mas é preciso apostar-se também no capital humano da empresa, na qualificação?

Claro que sim, mas também é verdade que tudo se compra e eles vêm buscar técnicos e são as próprias empresas italianas e alemãs. Veja o que está a acontecer com os países de Leste. Hoje ainda são realmente muito concorrentes mas não tanto como parecia e sabe porquê? Porque já estão a querer ganhar tanto como os portugueses. Acabou o comunismo para eles e não são escravos. A Polónia está com preços menos competitivos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Adoramos a marca, sempre que o meu marido precisa de um novo fato, é o que escolhemos, temos alguma dificuldade aqui em ponte de sor o mais proximo è Lisboa?

Anónimo disse...

Mas em ponte de sor ha quem venda fatos dielmar. Aliás, talvez tenha das lojas com mais antiguidade em termos de relaçao comercial com a Dielmar