terça-feira, dezembro 09, 2003

Tradições Musicais da Estremadura, José Alberto Sardinha, Tradison, 2000
" Genebres
Um curioso idiofone semelhante à  genebres de Lousa, Castelo Branco, fomos encontrar em Maceira, Leiria, nas mãos de José Ribeiro de Sousa, professor primário aposentado, que, como já referimos várias vezes possui uma notável - e infelizmente inédita, - colheita de cantares e tradições da sua terra natal, a Costa de Baixo, de que já por vária! vezes falámos ao longo deste livro.
Nascido em 1920, lembra-se que nessa, década e na seguinte costumava reunir-se m casa da eira do Ti-Zé do Casal (ponto de en contro da mocidade mais  «ribaldeira», mai alegre, amiga da paródia) um conjunto instrumental que integrava flautas de cana, guitarra, «violão» (certamente violão), «sanfonas» (harmónicas de boca) e um instrumento percutivo a que chamavam «sapo».
Este «sapo» é constituí­do por uma série de canas de diferentes comprimentos dis postas paralelamente e presas por um cordão. pendurado ao pescoço (as canas mal curtas para cima) e o tocador, enquanto, com a mão esquerda, puxa para baixo o conjunto dessas canas, tange-as todas, ou parte com uma outra cana, mais fina, que segura na mão direita - vide fotografia.
Este exemplar é uma reconstituição já antiga do instrumento que o informador viu integrado no referido grupo instrumental, nas mãos de um tal José Cordeiro de Sousa, filho do Ti-Zé do Casal, que emigrou para o Brasil pelos anos 30 e que terá levado consigo o mencionado «sapo». Tangia-o conforme a música que acompanhava, sempre «a raspão», nunca a bater, o que significa que não exercia qualquer função melódica como o xilofone, mas tão somente rítmica. às vezes tocava «de arrepio», isto é, raspando velozmente dos baixos aos agudos («esta vai de arrepio!»).
É de salientar que na região de Cáceres, vizinha de Castelo Branco, é muito usado um instrumento em tudo idêntico à referida genebres de Lousa, que ali conhece o nome de rana, por dar um som parecido ao coaxar das rãs. O instrumento cacereno é de paus de castanheiro, embora no Centro de Cultura Tradicional y Promocin de Ia Artesan­a, onde o vimos, também estivesse em exposição um outro feito de osso de cabrito, a que chamam simplesmente huesos. Os autores de Entre La Vera y el Valle - Tradiciõn y Folklore de Piornal, p. 74, dizem-nos que este instrumento é um dos mais típicos da Serra de Gredos. Em Castela, o instrumento de madeira conhece o nome de ginebra613 obviamente do mesmo étimo da genebres da Beira Baixa. Aliás, também em Portugal se usava o termo ginebra, como demonstra a obra de São Sotomaior, Ribeiras do Mondego, de 1623, que, em dado passo, oferece uma enumeração de instrumentos musicais: gaita, salteiro, frauta, tamboril, soalhas, pandeiro e ginebra614
A ginebra espanhola, tal como o nosso «sapo» estremenho, não tem, nem tinha no século XVIII, funções melódicas, mas apenas rítmicas, como nos é confirmado pelo Diccionario de Autoridades, que diz tratar-se a ginebra de «instrumento grosero inventado só para hacer ruido»615
Verifica-se assim a existência na Estremadura portuguesa deste tão raro instrumento, até agora só conhecido na Beira Baixa (vide Ernesto Veiga de Oliveira, op. cit.) e ainda a singularidade do seu nome - «sapo» -, parecido com o que conhece na Estremadura espanhola - «rã». Não deixa também de ser interessante aqui assinalar que este nome - «rã» - é utilizado em Braga para designar a vulgar caixa de rufo, certamente pelo mesmo motivo, isto é, a semelhança com o coaxar daquele animal.
Refira-se por fim que na exposição «Iconografia musical na pintura do século XV ao século XX», que esteve patente no Museu da Música em Lisboa, fomos encontrar uma harpa dos princípios do século XIX, alás pertença deste Museu, cujo tampo harmónico está pintado a óleo, aí­ se figurando vários instrumentos musicais, entre os quais a genebres. Inclinamo-nos para esta hipótese da genebres, e não para a do comum xilofone como vem assinalado no catálogo, em virtude de ter um atadilho.
612 Vide Na Roda do Ano, p. 33.

613Vide Diccionário Técnico de Ia Música, de Felipe Pedrell e Instrumentos Populares de Joaquin Diaz, p. 36.

6t4Cit. por Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, vol. X, p. 243.

615Cit. por Joaquin Diaz, a p. 37 do seu Instrumentos Populares.

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