domingo, maio 20, 2007

Vamos divulgar o Património da Beira Interior

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA -

Director: José Manuel Fernandes
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº | Domingo, 20 de Maio de 2007

Catarina Vilaça - Velocista do património
Luís Maio

Catarina Vilaça parecia destinada a uma carreira académica convencional. Entrou no Charles LePierre, em Lisboa, com apenas três anos de idade e só saiu aos 18, em direcção ao curso de História da Arte da Universidade Nova. Mas, recorda, "logo no primeiro ano comecei a investigar pintura mural. Não sabia o que era, mas interessou-me a espontaneidade. Porque se eu tivesse de pintar talvez pintasse primeiro o corpo, mas logo passaria a pintar na parede".
O fascínio pela pintura mural levou-a a consultar um dos raros estudos académicos sobre o tema publicado entre nós, a tese de Teresa Cabrita Fernandes, datada de 1984 que, entre outras, mencionava pinturas ainda por investigar na Capela do Espírito Santo de Maçainhas, em Belmonte. Daí nasceu o primeiro artigo académico de Catarina, publicado um ano antes de completar a licenciatura. Tão ou mais importante do que isso, Belmonte constituiu a sua primeira experiência na recuperação de património: "Foi aí que percebi o potencial de ser historiadora de arte. Porque não só estudei, como através do estudo consegui arranjar meios para recuperar as pinturas - que estavam caiadas com tinta plástica".
"A Pintura Mural em Portugal: os Casos da Igreja de Santiago de Belmonte e da Capela do Espírito Santo de Maçainhas" haveria de constituir a sua tese de mestrado, apresentada na Universidade de Letras de Lisboa, em 2001. Antes disso, logo à saída da licenciatura, Catarina concorreu e ganhou uma bolsa do Programa Nacional Para Jovens Historiadores e Antropólogos que a levou a estudar a pintura mural do Alvito, estudo que rapidamente se estendeu a mais quatro municípios alentejanos. Longe de se restringir a uma postura estritamente académica, para mais embalada pelo primeiro sucesso em Belmonte, a investigadora não demorou a propor às edilidades da região o lançamento duma rede de programas de turismo cultural centrados na pintura mural.
Assim nasceu a Rota do Fresco, que na verdade são seis - um por cada município + uma intermunicipal -, geridos pela AMCAL, Associação dos Municípios do Alentejo Central, que integra Alvito, Cuba, Portel, Vidigueira e Viana do Castelo. É, em qualquer dos casos, um produto turístico-cultural pioneiro entre nós, que já contabiliza para cima de cinco mil visitantes e favorece directamente as populações locais - desde a formação de guias à animação de hotéis e restaurantes. A reavalição desse património pictórico tem, para além disso, contribuído para angariar verbas destinadas à sua reabilitação. Em quatro anos outros tantos trabalhos de conservação e restauro foram empreendidos, sempre pagos através da angariação de mecenas: Ermida de S. Sebastião e Igreja Matriz do Alvito, Capela de S. Brás de Portel e Igreja de Santa Brigida em Marmelar.
Este afã de intervenção patrimonial e dinamização social é, no mínimo, inusitado para uma investigadora académica. Catarina explica-se: "Decorre duma convicção minha sobre qual é a missão do historiador de arte, que eu acho que não se esgota com o artigo ou com o livro. O historiador de arte está numa posição privilegiada para fazer alguma coisa por esse património. Somos nós que sabemos, que temos de propor formas de lhe voltar a dar vida - não é dos gestores, nem aos autarcas. É um bocado a ideia do Homem-Aranha: às tantas, quando ele está com receio de assumir o dom que tem, o padrinho diz-lhe: "Com um grande poder vem uma grande responsabilidade". Se a pessoa sabe, já não é uma questão de direito, mas de dever de fazer pelas coisas".
Coerente com esta divisa de responsabilização do saber, Catarina não apenas delineou as Rotas do Fresco do Alentejo, mas sempre que pode ela mesmo guia os grupos de visitantes. O que, por sua vez, a levou a aprofundar os dilemas que hoje se colocam ao turismo cultural e a fazer disso a sua seguinte meta académica. Eis como chegou à parisiense Sorbonne, faz agora um ano, para defender uma nova tese sobre a Rota do Fresco, desta feita centrada sobre a "metodologia de revitalização do Património no Alentejo", que sustentará o seu doutoramento na Univerdade de Lisboa, previsto para o final deste ano.
A Rota do Fresco será uma ideia luminosa, mas a estratégia subjacente é puro bom comum. Trata-se de contrariar a devassa turística do património - não betonizar mais o país em nome de modelos de lazer uniformizados, potenciando em vez disso os recursos endogénicos do país, quer em termos materiais, quer em termos humanos. Se a fórmula se revelou eficiente em relação à pintura mural, faz sentido extrapolá-la para outras áreas, e é nesse sentido que Catarina acaba de lançar o Circuito de Olaria de Viana do Alentejo, outro programa turístico de reanimação dum recurso tradicional, em breve complementado com a produção de peças de autor. O passo seguinte é a criação da sua própria empresa, a Spira - porque a espiral imprime velocidade às coisas - dedicada à aplicação da mesma metodologia a outros sectores de património adormecido, que deverá ter como primeiras encomendas a revitalização de linhas de comboio no Alentejo, mas com francas possibilidades de se estender ao resto do país.
Explicações pessoais para tantas realizações públicas e em tão pouco tempo? Num mail enviado no dia seguinte à entrevista, Catarina confessa: "Venho de um avô militar que participou na Abrilada de 61, de pais muito novos (51 e 52 anos) revolucionários de esquerda que estiveram presos em Caxias e fui educada ao som do Cântico Negro do José Régio, e da divisa de D. Duarte "Tenaz serei". Acresce que fui velocista (no Sporting) num país de corredores de fundo".

BI
Idade: 30 anos, 17 de Julho de 1976
Naturalidade: Lisboa
Ocupação: Historiadora da Arte
Especialidade: Transformar recursos patrimoniais inactivos em fonte de desenvolvimento sustentado

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