sexta-feira, dezembro 19, 2008

Criou uma editora que enriqueceu o país e o arruinou a ele próprio

O criador de amigos
19.12.2008, Luís Miguel Queirós
Criou uma editora que enriqueceu o país e o arruinou a ele próprio, lançou uma das mais importantes revistas portuguesas da segunda metade do século XX e sonhou mudar a sociedade a partir de um novo cristianismo. O trajecto de Alçada Baptista, o homem a quem chamaram "um criador de amigos"
A cena passa-se em Lisboa, provavelmente no final de 1962 ou nos primeiros dias de 1963. Seis católicos, alguns ainda na casa dos vinte, outros um pouco mais velhos, preparam-se para lançar uma revista e têm de tomar uma decisão difícil: devem ou não pedir a colaboração dos agnósticos Mário Soares e Salgado Zenha? Decidem votar, mas, pelo seguro, rezam primeiro uma Ave Maria, esperançados em que a mãe de Cristo os ajudará a decidir bem. Tenha ou não havido intervenção divina, o certo é que Soares e Zenha foram aprovados.
À distância de quase meio século, o episódio, posteriormente contado por João Bénard da Costa, que foi um dos votantes, parecerá um tanto caricato, mas a publicação em causa, lançada a 29 de Janeiro de 1963 (no dia em que Alçada Baptista fez 36 anos) com o título O Tempo e o Modo, iria tornar-se uma das mais relevantes revistas portuguesas de cultura e política. E a empresa que a suportava, a Livraria Moraes Editora, não só congregava então muitos dos melhores escritores nacionais - na poesia, o seu domínio era mesmo avassalador -, como deu a ler em português alguns dos mais influentes pensadores europeus da época.
Por trás de ambos os projectos - a editora e a revista - estava o mesmo homem: António Alçada Baptista, que morreu no passado dia 7, em Lisboa. Para se compreender o seu percurso, é fundamental esse período que vai do início dos anos 60 até ao 25 de Abril de 1974. É verdade que iria tornar-se, já nos anos 80, um romancista de sucesso, e deixaria ainda a sua marca no Instituto Português do Livro, que fundou em 1980 e ao qual presidiu até 1986. Mas não era já, como tinha sido nas décadas anteriores, uma figura central da vida cultural e política do país.
Os muitos depoimentos de amigos que surgiram nos jornais e na Internet após a sua morte elogiaram, sobretudo, o escritor de talento e o homem vertical, solidário, sensível, afectuoso, amante da vida. Só o de Vasco Pulido Valente, sem refutar a justeza dos restantes testemunhos, desafinou do tom geral, lembrando, numa das suas crónicas no PÚBLICO, que o Alçada Baptista que conheceu nos anos 60 - na redacção de O Tempo e o Modo - "tinha ambicionado um alto destino, de que a sorte e, no fundo, a sua própria natureza o desviaram". O que Alçada Baptista realmente queria, diz Pulido Valente, era "mudar o catolicismo e o país" e, "em última análise, criar em Portugal um partido democrata-cristão, como os que nessa época governavam a Europa".
Embora se autodefinisse mais tarde como "um boémio do espírito", e nunca tenha sido, de facto, um político no sentido mais profissional do termo, as iniquidades do Portugal salazarista levaram-no a achar, ainda nos anos 50, que tinha o dever de tentar levar à prática as suas convicções cristãs e contribuir para uma alteração real da sociedade. O caminho que levou até esse ponto um homem criado numa abastada família católica e salazarista da província - nasceu na Covilhã, em 1927, e, antes de ir para Lisboa estudar Direito, frequentou um colégio de jesuítas em Santo Tirso -, descreve-o ele próprio em Peregrinação Interior. Reflexões sobre Deus (1971), talvez a obra que melhor espelha o que foi o drama interior desses a quem Ruy Belo chamaria, num célebre poema, "os vencidos do Catolicismo". Sublinhando a ostensiva sinceridade do livro, Eduardo Lourenço, que o recenseou para a Colóquio Letras, diz que nele cumpriu o autor "a salutar missão de se confessar e exorcismar por muitos".
Pequena revolução cultural
Lourenço concorda com a visão que Pulido Valente dá do percurso de Alçada Baptista. "Ele conheceu-o bem e, no artigo que escreveu, desloca o caso do Alçada de uma focagem puramente literária para lembrar a personagem que ele foi nas nossas batalhas ideológicas", disse o ensaísta ao P2. Lembrando a designação de "catolicismo progressista" então atribuída a Alçada e aos amigos com quem fundou O Tempo e o Modo, Lourenço acrescenta: "Catolicismo, sim, sem dúvida nenhuma - vinha-lhe daquela Beira, que foi sempre o mais importante -, mas quanto ao progressismo já podemos pôr reticências, negativas e positivas." Os próprios visados, aliás, já então não simpatizavam com o rótulo, ao qual preferiam o de "católicos de esquerda".
Nascido nessa mesma Beira conservadora e católica, o autor de O Labirinto da Saudade define Alçada como alguém que não se reconhecia no catolicismo obsoleto do Portugal salazarista e que se revia no personalismo de Emmanuel Mounier e no projecto de uma Igreja com genuínas preocupações sociais.
Em 1958, Alçada Baptista, farto da advocacia, que exerceu durante meia dúzia de anos, compra a Moraes, onde publicará, designadamente na colecção Círculo do Humanismo Cristão, um significativo conjunto de obras de teólogos envolvidos na preparação do Concílio Vaticano II. O percurso da geração de católicos a que pertenceu só pode perceber-se integralmente tendo em conta essa lufada de ar fresco que o Vaticano II (1962-1965) viera trazer à Igreja. "Aquelas traduções todas que a Moraes editou, de uma nova teologia que nunca cá tinha chegado, decerto influenciaram muita gente", diz Lourenço. "E deviam ter abalado a Pátria, mas nada a abala."
A origem social de Alçada e dos seus amigos mais próximos - como Alberto e Helena Vaz da Silva, Bénard da Costa, Pedro Tamen, Nuno Bragança e outros -, nascidos na alta burguesia, e vários deles com linhagens fidalgas - tornava-os, diz Lourenço, "um pouco protegidos no regime", o que não impediu que muitas das edições da Moraes tivessem sido censuradas. Nos anos que antecederam o 25 de Abril, a editora lançou livros tão diversamente subversivos para a ideologia dominante como O Amor e o Ocidente, de Denis de Rougemont, O Erotismo, de Bataille, Os Contos de Maldoror, de Lautréamont, com tradução de Pedro Tamen e prefácio de Jorge de Sena, Sobre a Revolução, de Hannah Arendt, ou Toda a Verdade: de Maio de 1968 a 1970, do então dissidente comunista Roger Garaudy. Herbert Marcuse, Roman Jakobson ou Jean-Marie Domenach foram outros dos muitos autores que a Moraes divulgou em Portugal. E também Edgar Morin, que se tornaria um grande amigo de Alçada e que testemunharia a sua admiração pelos fundadores de O Tempo e o Modo, afirmando que estes, partindo de "um catolicismo que se tornava cada vez mais social", tinham tido "em curtos anos uma evolução comparável a meio século".
A Moraes assegurava ainda a versão portuguesa, dirigida por Helena Vaz da Silva, da revista internacional Concilium. E a sua colecção Círculo de Poesia, que abriu com Fidelidade, de Sena, logo em 1958, publicou o que de melhor havia na poesia portuguesa da época, desde Nemésio, Sophia, Ramos Rosa e Alexandre O'Neill, passando pela geração de Ruy Belo e Pedro Tamen, até Joaquim Manuel Magalhães e João Miguel Fernandes Jorge. Também na ficção, a editora publicou obras determinantes da literatura portuguesa contemporânea, como A Noite e o Riso, de Nuno Bragança, ou Maina Mendes, de Maria Velho da Costa.
Esta intensa actividade é, por assim dizer, a face externa da aventura de Alçada. E, apesar das suas virtudes pessoais e dos seus talentos de cronista e romancista, talvez seja por ela que mais se justifique que venha a ser lembrado. O seu amigo Pedro Tamen, num testemunho dado após a sua morte, afirma que "o que interessa é relembrá-lo como um escritor magnífico". Pedro Mexia não concorda. Num post colocado no seu blogue, diz que Alçada Baptista "escreveu dois livros fundamentais para qualquer pessoa que queira pensar o catolicismo português" (Peregrinação I e II), "fundou uma das revistas mais estimulantes do nosso panorama cultural" e "uma excelente editora", e foi "um bom presidente do Instituto Português do Livro". Mas, acrescenta, "também é justo que se lembre que Os Nós e os Laços (1985) marcou uma viragem na sua carreira e, mais importante, no romance português, hoje infestado de 'literatura dos afectos' e de afilhadas de Alçada".
"Essa coisa dos afectos"
Já a dimensão mais íntima do trajecto de Alçada é a que este partilha com um grupo de católicos, quase todos de famílias com fortes ligações ao regime, que, pelo início dos anos 60, decidem transformar radicalmente o seu modo de viver o cristianismo. A criação do que viria a ser O Tempo e o Modo foi inicialmente pensada como parte de um projecto de vida cristã em comunidade a que os envolvidos chamavam "o pacto".
"Não foi só uma pequena revolução cultural", diz Eduardo Lourenço. "Foi também uma revolta de comportamento, incluindo os comportamentos amorosos, uma espécie de Maio de 68 avant la lettre."
Contando que pensou escrever sobre o segundo volume de Peregrinação, saído em 1982, mas acabou por desistir, Lourenço parece aproximar-se um pouco do juízo de Mexia. "Nesse segundo livro havia uma certa visão seráfica, um universo calafetado, era já essa coisa dos afectos." O ensaísta coloca Alçada entre "os portugueses que têm o fascínio do Brasil, que gostam daquele lado tropical, do afecto, das paixões, do farniente", algo a que não deixa de atribuir um lado positivo, pelo seu contraste com "o pessimismo natural e visceral do português".
Se se lerem as dezenas de testemunhos publicados após a morte do escritor, percebe-se que é sobretudo essa a imagem que fica de Alçada, esse seu lado de "criador de amigos", para citar a expressão que Pedro Tamen usou no texto que escreveu para Tempo Afectuoso, o volume de homenagem a Alçada Baptista editado em 2007 pela Presença.
Mas essa personagem optimista e de bem com a vida é um retrato parcial. Numa entrevista dada aos 75 anos a Carlos Vaz Marques, Alçada, com a proverbial facilidade que tinha em expor a sua intimidade, explica que sofre de depressões cíclicas, durante as quais se torna pessimista e perde "a paciência de viver". Mas também acrescenta que sai delas "mais livre". Nessa mesma conversa, diz que nunca deixou de ter "uma referência ao transcendente", ainda que oscile entre dias em que é "um céptico com nostalgia da fé" e outros em que tem "fé com nostalgia do cepticismo".
As últimas décadas da sua vida não foram fáceis. Enterrou todo o dinheiro que tinha na Moraes e andou muitos anos a pagar dívidas após a falência da editora, em 1980. E a sua adesão ao marcelismo - depois de ter sido candidato pela oposição em 1969 - custou-lhe caro após o 25 de Abril. Tinha sido assessor de Veiga Simão, então ministro da Educação, entre 1971 e 1974, e publicara, em 1973, Conversas com Marcelo Caetano, que foi visto na oposição como um livro de propaganda.
Em 1978 entrou para a Secretaria de Estado da Cultura, onde criou e dirigiu o Instituto Português do Livro, lançou programas de incentivo à leitura e impulsionou as relações culturais com os países de expressão portuguesa. Foi, depois, administrador da Fundação Oriente, onde se manteve, já reformado, como consultor cultural. Ao mesmo tempo, dedicou-se à ficção - depois de Os Nós e os Laços, veio Catarina ou o Sabor da Maçã (1988), Tia Suzana, Meu Amor (1989) e O Riso de Deus (1994) -, continuou a publicar livros de memórias e prosseguiu a sua longa carreira de cronista, escrevendo, entre 1992 e 2006, para a revista Máxima.
Uma velhice activa, mas, mesmo assim, Pulido Valente duvida de que se sentisse realizado. Na sua crónica sobre Alçada Baptista, escreve: "Intimamente, suponho que não se conseguia ver como funcionário do Ministério da Cultura, ornamento de uma 'inteligência' espúria e colunista de uma revista 'feminina'. Quando o encontrei, em 1963, com certeza que não se imaginava assim."


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quinta-feira, dezembro 11, 2008

Alçada Baptista e o Tempo e o Modo

António Alçada Baptista (dir.) O Tempo e o Modo (1963)
Revista fundada em 29 de Janeiro de 1963, tendo como primeiro director António Alçada Baptista. Ligada à Editora Moraes e à colecção do Círculo do Humanismo Cristão. Mobiliza, na sua primeira fase, uma série de intelectuais católicos críticos do salazarismo, como Nuno de Bragança, Pedro Tamen, João Bénard da Costa, Alberto Vaz da Silva, Mário Murteira, Adérito Sedas Nunes, Francisco Lino Neto, Orlando de Carvalho, Mário Brochado Coelho. Alarga-se a outros sectores da esquerda, como a Mário Soares e a Salgado Zenha, vindos do MUD, ao então comunista Mário Sottomayor Cardia, e à jovem geração de líderes estudantis, como Manuel Lucena, Vítor Wengorovius e Medeiros Ferreira. Esta última acaba por preponderar na revista, mobilizando Vasco Pulido Valente. Em 1967-1968, a revista perde as raízes personalistas e católicas e vira ainda mais à esquerda, iluminada pelos fulgores do Maio de 1968, sob a direcção de Bénard da Costa e de Helena Vaz da Silva e com a entrada de Luís Salgado Matos e Júlio Castro Caldas. Colaboram então futuros socialistas e comunistas como Alfredo Barroso, Jaime Gama, José Luís Nunes, António Reis, Luís Miguel Cintra, Jorge Silva e Melo, Nuno Júdice e Manuel Gusmão. Em 1970, numa maior guinada à esquerda, a revista passa a ser porta-voz do maoísmo lusitano, com a entrada de Arnaldo Matos e Amadeu Lopes Sabino.

Alçada Baptista e a Moraes Editora

Caminhos da Memória
leituras contemporâneas da história e da memóriaSegunda-feira, 08.Dez.2008
António Alçada e a aventura da Moraes
Posted by Joana Lopes under Testemunhos



Muito se tem escrito sobre António Alçada Baptista desde que se soube que morreu ontem, com 81 anos. Quase tudo foi dito sobre o intelectual, o escritor, o conversador sedutor, o católico progressista, o homem da província que dizia de si próprio, com a distância e a ironia que sempre o caracterizaram: «Na minha visão da infância e da adolescência, Salazar era o procurador, em Lisboa, dos meus avós, dos meus pais, dos meus tios e dos padres.»

Tem-se referido também que foi o fundador da revista O Tempo e o Modo. Mas importa recuar um pouco e lembrar o que ele próprio considerou a sua grande «aventura». Explica-a bem num capítulo daquele que, no meu entender, foi o seu grande livro: A pesca à linha. Algumas memórias (1). Pouco virado para a advocacia e apaixonado por livros, descobriu em 1958 que estava à venda a Editora-Livraria Moraes e não hesitou em comprá-la. Nesse ano de tantas esperanças em Portugal, depressa reuniu à sua volta um grupo de jovens recém-licenciados católicos - Pedro Tamen, João Bénard da Costa e Nuno Bragança, entre outros - e assim começaram, em conjunto, uma verdadeira e bela «epopeia», sempre difícil, mas que acabou por dar frutos inestimáveis: várias colecções de livros, aparentemente impensáveis no Portugal de Salazar e Caetano, e duas revistas, O Tempo e o Modo e a Concilium.

É como um todo que a actividade da Moraes, desde o fim da década de 50, deve ser entendida - e não isolando um ou outro sector, mesmo O Tempo e o Modo, como tantas vezes acontece. Porque a Moraes foi muito mais do que uma editora, foi todo um movimento em que se empenharam, a vários níveis, muitas dezenas ou centenas de pessoas, numa abertura cultural e política tornada em grande parte possível pela visão, pelo arrojo e pelo desprendimento de António Alçada Baptista.

A face da Moraes hoje menos conhecida é, talvez, o conjunto das suas magnificas colecções de livros. É impossível enumerar tudo o que foi produzido durante mais de três décadas: centenas de obras de autores portugueses e de traduções, escolhidas seguindo critérios rigorosos, com uma qualidade gráfica excepcional para a época e com uma lista de tradutores de um nível que provoca hoje a maior das admirações: Jorge de Sena, Alexandre O’Neill, Nuno Bragança, Maria Velho da Costa, Fernando Gil e dezenas de outros. Traduzir para a Moraes era também um meio de acrescentar uns tostões (bem poucos) às nossas magríssimas bolsas - e digo «nossas», porque também me foi dada essa possibilidade. Quantas vezes para que o resultado obtido fosse pura e simplesmente proibido e apreendido nas livrarias, com todas as respectivas consequências financeiras.

Para que tudo isto não ficasse esquecido e não fosse desaparecendo com os seus protagonistas, foi editado em 2006, pelo Centro Nacional de Cultura, um pequeno mas lindíssimo livro precisamente intitulado A aventura da Moraes. Nele são resumidas muitas histórias com alguns pormenores deliciosos, enumeradas com detalhe as colecções de livros, seus autores e tradutores, explicadas as origens e as actividades de O Tempo e o Modo e da Concilium (2).

Qual o balanço geral: utopia e fracasso? Deixo a palavra a António Alçada: «Nunca me passou pela cabeça que tínhamos nas mãos uma empresa comercial sujeita a critérios de rentabilidade e julgava que, como nós, alguns milhares de portugueses estavam ansiosos por livros. (…) Mas «esta aventura falhou porque a camada da sociedade portuguesa a quem ela se dirigia recusou frontalmente a sua colaboração e não esteve disposta a correr nenhum risco nem, na prática, se sentiu minimamente solidária com o esforço que estava a ser feito.»

Por isso, a Moraes acabou por fechar em 1980. Mas não é de todo a memória de fracasso que guardamos todos os que lá vivemos uma bela história, não só de combate mas também de cultura, de solidariedade e de amizade, pelo menos até ao 25 de Abril. Por isso voltámos a reunirmo-nos ontem e hoje - já faltaram uns tantos, mas estivemos lá os que ainda pudemos responder à chamada.


(1) António Alçada Baptista, A pesca à linha. Algumas memórias, Editorial Presença, Lisboa, 2000, pp. 59-72.

(2) A aventura da Moraes, Centro Nacional de Cultura, Lisboa, 2006, 110 p. Declaração de interesse e de interesses: estou afectivamente ligada a este livro porque acompanhei de perto a sua elaboração, coordenada por Isabel Tamen, e também porque para ele contribuí como autora de um dos seus oito capítulos.


7 Respostas to “António Alçada e a aventura da Moraes”
1.José Eduardo de Sousa Diz:
Segunda-feira, 08.Dez.2008 at 09:12:20
Frequentei muito a Livraria Moraes, enquanto esteve na Baixa. E conversei um pouco, muito pouco, com o Alçada Baptista. Ia-o vendo pela loja.
Lembro-me. A sua bonomia, uma maneira suave de proceder, uma espécie de meiguice no tom de voz, a tolerância, a completa ausência de qualquer traço de quezília com que ouvia, a atenção, como que fraterna, que dava aos outros.
E até me lembro da paciência com que “aturava” um dos empregados (esqueci o nome) que tinha até graça e que pertencia a uma coisa parecida com um Clube de Humoristas.
Foi muito criticado quando entrevistou Marcelo Caetano, mas isso foi uma manifestação de coragem e de uma esperança que abarcava muitos horizontes. Uma esperança esperançada.

2.João Tunes Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 01:12:08
Leio
“Foi muito criticado quando entrevistou Marcelo Caetano, mas isso foi uma manifestação de coragem e de uma esperança que abarcava muitos horizontes. Uma esperança esperançada.”
e fico a pensar na plasticidade do conceito que cada um tem sobre a coragem. Que chega a abarcar aqueles que, em ditadura, abraçaram o ditador. Decerto que, então, os cobardes brancos se refugiavam, por medo e falta de esperança, em Caxias e em Peniche. E os cobardes pretos no Tarrafal.

3.Joana Lopes Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 01:12:34
Não leu isso aqui, João, faça-me essa justiça.

Nunca admirei AAB por ter não só entrevistado MC como acreditado no marcelisno. Aliás, nem fiz especiais elogios à sua pessoa, mas ao seu papel como fundador, impulsionador, financiador até, das iniciativas da Moraes. Nisso, foi muito importante e positivo e não me aptece nada apagá-lo - antes pelo contrário.

4.Joana Lopes Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 02:12:01
Desculpe, João: só agora percebi que estava a responder ao comentário anterior ao seu… e não ao meu texto.

5.José Eduardo de Sousa Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 03:12:36
Oh! João Tunes!
Claro que eu condenei a ditadura e agi contra ela. Estava na “clandestinidade” por altura do 25 de Abril, mas também nunca falei da minha coragem e sempre do medo que tinha. Em Caxias, visitei um irmão durante uns seis anos e, modéstia à parte, fui eu que o desencaminhei, no início dos anos 50. E tenho, ainda hoje, o maior nojo pelas dezenas de anos que vivemos sob aquele fascismo.
O Alçada Baptista é um caso particular. Julgo estar fora de dúvida que era um antifascista e eu parto dessa ideia. Apesar de o ser e apesar de ser ainda católico progressista, ele, atras de uma esperança, esperançada chamei-lhe eu e poderia dizer exagerada, errada, fantasiosa, etc., teve a coragem de se expor com aquelas conversas com o Caetano. Não era um inocente, sabia ao que se expunha.
Também muito mais tarde defendeu a alteração da letra do Hino Nacional. Mais um avanço quixotesco que uma “fantasia” empurraria. E que bronca se seguiu.
Eu conheci um tipo da linha dura do PC que, nessa altura, parecia embarcar na esperança da primavera marcelista. E era um homem bem corajoso… de que não digo o nome, porque, morto já, não o quereria apoucar. Se tal ainda pudesse vir a acontecer.
João Tunes, não se escandalize e aceite um abraço meu de simpatia pela sua irritação. Será que, com aquela referência à coragem do Alçada Baptista, tive eu ocasião de ser corajoso. Já ma ia faltando!
O texto da Joana é justo e excelente, pelo que, não sendo católico, julgo saber.

6.João Tunes Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 04:12:04
Caro José Eduardo de Sousa, a discordância não tem de dividir e muito menos é motivo para não se aceitar um abraço se dado com as mãos limpas.
E só lhe posso agradecer ter-me dado motivo para me irritar, actividade política e intelectual que infelizmente me vai faltando pretexto e na medida em que gostaria.
Sempre pensei - e nessa continuo - que a pior desomenagem que se pode fazer a um retirado da vida é esquecerem-se os seus defeitos. Ou pior, transformarem-se os defeitos do vivo em virtudes no morto. O que não deixa de ser uma forma de duplicar-se-lhe o enterro, por desfoque da sua humanidade pois o humano nunca é perfeito. Alçada Batista teve suficientes valias e talentos que chegaram e sobraram para contra-peso das suas sacanices, algumas sem absolvição que lhe valham. A estas (que existiram e não foram, politicamente, pouco graves) vejo-as por aí, nos cultos necrófilos ao Alçada Batista e inscritos nos nossos usos e costumes, apagadas por obediência ao princípio que em Portugal quando se morre expiam-se as imperfeições, os erros e até as sacanices, na magia de supor que a morte traz a santidade e o génio, o que não é mais que uma maneira sádico-beata de esquartejar um cadáver, maldade que ninguém merece. Muito menos Alçada Batista que deixou um legado literário e uma memória do seu activismo editorial suficientes para se livrar das leis do esquecimento.

Desculpe a forma palavrosa de lhe retribuir o abraço.

7.José Eduardo de Sousa Diz:
Terça-feira, 09.Dez.2008 at 06:12:10
Caro João Tunes.
Eu não ponho luvas quando mexo em cadáveres. Não tenho conhecimento das sacanices do Alçada Batista. Se tivesse, abster-me-ia de meter o bedelho na sua evocação. Referi-me ao que me parecia ser o Alçada Batista no seu contacto pessoal. E fi-lo, quem sabe, mais pelo gosto de recordar a Moraes e um bom livreiro, como era o Edmundo Costa.
Eu, na altura, era ateu (e sou), anticlerical, etc., os católicos estavam entre os outros, e pouco valorizava aquela actividade editorial. Rendi-me aos católicos progressistas quando alguns se renderam a um certo radicalismo que estava próximo do meu. Mais tarde,sim, entre os meus camaradas, tive muitos católicos.
Quanto às Conversas do Alçada/Caetano, se Alçada Batista não era inocente, tinha também obrigação de saber o aproveitamento que iria ser feito daquelas conversas. Da mesma maneira como devia prever a reacção que ia surgir no outro campo. Fui incompleto, ou talvez incorrecto, na minha apreciação. Neste caso, olhando Alçada para os dois lados, talvez que houvesse menos coragem e sobrasse uma certa conivência.
Um abraço

Futuramente prestarei atenção ao seu blogue.