terça-feira, maio 09, 2006

Monografia de Castelo Branco

Por ser de acesso não muito simples, transcrevo a opinião de A. Rodrigues Cardoso, sobre a recém-reeditada Monografia de Castelo Branco. A sua proposta de abordagem da história do Município parece-me interessante, sendo um desafio para investigadores que a pretendam aprofundar. É um excelente ponto de partida......



in: Subsídios para a História da Beira Baixa, Vol. II, Edição da Junta de Provincía da Beira-Baixa, 1950, Cardoso, A. Rodrigues, Castelo Branco na sua Vida Municipal
"Sobre a cidade de Castelo Branco pouco se tem escrito. Sobre as restantes povoações que formam o concelho de que ela é sede, muito menos, para não dizermos nada.
Do nosso conhecimento, não falando de resumidíssimos artigos de dicionários, existem publicados a respeito da cidade o Memorial de Castelo Branco, de Porfirio da Silva, e a Monografia de Castelo Branco, de António Roxo.
A respeito das outras povoações do concelho o que existe é tão pouco que não vale a pena fazer-lhe referência. 0 Memorial de Castelo Branco, de que raríssimos exemplares se encontram, não tendo grande valor histórico ou descritivo, tem merecimento e é interessante pelo que representa de esforço pessoal e boa vontade de servir a sua terra e por abrir o caminho à curiosidade de novos investigadores e coleccionadores de factos e lendas que a tradição conservou, que os documentos, nem sempre fáceis de decifrar, restituem ao seu rigor histórico, e que a saudade poetizou.
A Monografia de Castelo Branco, já hoje fora do mercado é guardada avàramente pelos que a possuem, muito longe de ser um trabalho completo e perfeito, muito áquem do que podia e devia ter dito sobre os pontos que toca, deixando, sem a menor referência factos e lendas que oferecem real interesse, ou porque o autor os desconheceu, ou porque, por os julgar insignificantes, os desdenhou, é contudo digna de figurar nas bibliotecas públicas e particulares, digna de atenta leitura e, em regra, criteriosa nas conclusões que tira dos documentos em que procura firmar-se. Interpreta às vezes o autor mal uma ou outra inscrição, que copia nem sempre com rigor, talvez porque os seus conhecimentos de epigrafia não iam longe ; mas atire-lhe a primeira pedrada quem na matéria estiver isento de pecado.
Não queremos deixar sem referência, embora ligeira, outros trabalhos que, não tratando pròpriamente de nos mostrar o que tem sido e é esta terra dm si, nem de nos descrever as fases do seu desenvolvimento político, económico, social, material, etc., contudo nos fornecem elementos preciosos para a história das suas origens e das suas instituições. Um desses livros é a Mizerieórdia de Castelo Branco, do saudoso e benemérito médico Dr. Hermano José das Neves Castro e Silva, belo livro que nos faz assistir ao nascimento do estabelecimento de que tomou o, nome e acompanhar passo a passo o seu desenvolvimento e a obra dos seus benfeitores até à data em que foi escrito. Vêm depois, por ordem de datas, os opúsculos de Francisco Tavares Proença Júnior, o fundador do Museu Regional que tem o seu nome,
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sobre arqueologia na nossa região, dentre os quais a nossa memória só destaca agora um, escrito em correctíssimo francês, que tem por título Deux monuments épigraphiques, presente ao Congresso Internacional de prehistória realisado em Périguenx e que lhe valeu ser nomeado Oficial da Instrução Pública, distinção que os governos da França só concedem, em regra, a quem já pertence à Legião de Honra, outro sobre o valor arqueológico das queijeiras redondas, de que existe ainda pelo menos unia relíquia na folha da Liria.
Os homens da especialidade disseram o que valia o primeiro dos opúsculos numa reunião magna a que assistiram as primeiras sumidades europeias e disse-o o governo da França concedendo-lhe honras excepcionais ; do segundo ouvimos falar com louvor ao venerando Dr. J. Leite de Vasconcelos.
Perda grande foi para Castelo Branco -- e para o País - a sua morte prematura, na idade em que mais e melhor prometia.
Ainda outro livro, é o que há pouco publicou o Sr. J. Mourato Grave sobre o jornalismo no nosso distrito. Não se ocupa apenas dos jornais que nesta cidade se publicaram até hoje, mas dos que se publicaram em todas as terras do distrito ; nem por isso é menos credor do reconhecimento de todos os que a esta terra querem muito, porque o capítulo que à imprensa periódica da cidade de Castelo Branco se refere é completo.
Se mais algum trabalho que a Castelo Branco diga respeito foi publicado, não o conhecemos.
Mas, além de outros, um capítulo interessantíssimo da história de Castelo Branco está por escrever ; é o da história do seu município. A vida do município está tão intimamente casada com a vida desta terra, desde que foi instituído, que esta ficará sempre cercada de trevas enquanto não fôr iluminada por aquela.
Mas, se não esperamos ver dentro de pouco tempo escrita a história do nosso município, parece-nos que nem por isso deixarão de oferecer algum interesse uns ligeiros apontamentos para essa história, simples efemérides, que poderão servir para poupar algum trabalho a quem queira algum dia abalançar-se a escrever a obra que vimos fazendo referência. Não virão desde o primeiro dia do município de Castelo Branco, mas desde a primeira sessão da Câmara de Castelo Branco de que existe acta conhecida.
Em resumo muito rápido daremos conhecimento das deliberações adoptadas pela Câmara que algum interesse ofereçam. Quando esse interesse seja de maior tomo, transcreveremos na integra os dizeres da acta. Daremos assim a conhecer velhas costumeiras, a origem para quase todos desconhecida de coisas que ainda hoje se fazem ou que até há pouco se
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faziam, etc., podendo assim todos aprender a conhecer e apreciar melhor o presente pela comparação com o passado. Sirvam estas palavras de prólogo ao nosso modesto trabalho,, que não terá outro merecimento além do que lhe pode vir da paciência com que teremos de dar-nos à leitura de velhos manuscritos que, muitas vezes, para serem lidos oferecem quase as mesmas dificuldades que ofereceram a Champolion os hieróglifos do Egipto.


A acta mais antiga das sessões da Câmara que encontrámos no arquivo municipal de Castelo Branco tem a data de 1 de janeiro de 1655. Que foi feito das anteriores? Algum curioso as houve à mão e as guarda? Encontrar-se-ão na Torre do Tombo ou estarão a apodrecer nalgum canto ignorado para onde as atiraram por ocasião das diversas mudanças que o arquivo sofreu em diferentes épocas ? Desapareceram devoradas por algum incendio de que não há lembrança, como aconteceu há anos a muitos documentos do arquivo do Governo Civil? Não sabemos responder a nenhuma dessas perguntas. O que sabemos é que o arquivo municipal se encontrava numa desordem pavorosa aqui há perto de vinte anos, livros e papéis aos montes, numa confusão e mistura que tornavam infrutífera a busca de qualquer documento necessário. Uma ideia perfeita do caos. Foi quem escreve estas linhas que mandou ordenar, e organizar o índice ou catálogo que hoje existe e facilita a busca de qualquer documento ou livro. Trabalharam com alma nesse serviço os então amanuenses da secretaria da Câmara, António da Silva Nacho e Manuel de Almeida Mala, já falecido. E foi só desde então que as actas das sessões foram dispostas cronològicamente, encontrando-se perfeitamente ordenadas as que se encontraram e que são todas as que se lavraram desde janeiro de 16J5, com uma ligeira intermitência. Maravilha é que se não perdessem muitos livros de actas a partir daquela data ; porque a verdade manda Deus que se diga, e a verdade é que o arquivo municipal foi durante muitos anos verdadeira roupa de franceses. O foral de Castelo Branco do reinado de D. Manuel, precioso exemplar escrito em caracteres góticos sobre pergaminho, tendo apensa a carta da cidade, do tempo de D. José, também em pergaminho, andou muito tempo perdido. Fomos nós que o fizemos guardar, como se guardam jóias de valor, num armário- do gabinete do chefe da secretaria da Câmara dentro duma caixa de folha em forma de livro.
Este precioso documento esteve perdido, mas achou-se. Quantos documentos valiosíssimos se terão perdido sem se tornarem a achar vestígios deles ? Mas deixemo-nos de divagações, de que se não tira nenhum proveito, e entremos na matéria.
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