sexta-feira, outubro 07, 2005

ICONOFÓSSEIS de Penha Garcia

Mais uma excelente divulgação da RAIA, embora não cite as fontes originais da informação.....


"ICNOFÓSSEIS DO VALE DO PONSUL, EM PENHA GARCIA
texto e fotografias
de Jorge Manuel Costa; infografia de Ana Cardoso
Exposição a céu aberto ou puzzle a quatro dimensões? São várias as perspectivas com que os cientistas encaram o comportamento dos pequenos seres que há milhões de anos viveram no vale do Pônsul. Relato de uma viagem pela Rota dos Fósseis, em busca das trilobites de Penha Garcia.
Fazer-se ao trilho assim que o sol se espraia no horizonte logo pela manhã é a melhor forma de embarcar na Rota dos Fósseis, um percurso de três quilómetros que atravessa todo o vale do Pônsul, em Penha Garcia. O arranque fazse no centro da povoação, subindo até ao alto do castelo, onde se obtém a primeira panorâmica das arribas que envolvem o rio. A partir daqui embarcamos numa viagem no tempo, recuando alguns milhões de anos. A grande dobra em ferradura que irrompe em Aranhas (Penamacor) e se prolonga para lá do rio Erges é o que resta de uma colisão continental que há mais de 300 milhões de anos ergueu estas estruturas sedimentares, formando uma cordilheira montanhosa que «levantou» grande parte do território português. As rochas preservadas no seu interior gozam de uma particularidade especial: são ricas em icnofósseis.
Ao contrário dos fósseis, que resultam da fossilização de animais ou plantas, estes são apenas registos do comportamento dos pequenos seres que habitaram esta região, e que hoje repousam nas fragas de xisto e nos afloramentos de quartzito das vertentes do canhão fluvial de Penha Garcia. Algo que tem chamado a atenção de cientistas nacionais e estrangeiros, como o alemão Adolf Seilacher, um dos mais prestigiados paleontólogos do mundo, e que em 2002 esteve pela primeira vez no local para estudar os vestígios de trilobites. Surpreendido pela riqueza dos acha-
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dos, este acabou por acrescentar novos moldes à sua exposição itinerante "Arte Fóssil", que entre Fevereiro e Maio foi visitada por mais de 3500 pessoas no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova. «O uso de moldes é mais prático e contém toda a informação, enquanto que o original fica no campo», esclarece o cientista, lembrando a facilidade em transportar as cópias, que mais tarde podem ser estudadas, inclusive por leigos. «A natureza tem formas interessantes que cada um pode desfrutar sem saber nada de ciência». Combinar a geologia com a arqueologia ou a história, apostando em força no turismo, é agora o objectivo das autoridades locais, cuja prioridade é a criação do primeiro geoparque português. «Pretendemos despertar o interesse do público para este tipo de estruturas e ter na região investigadores que possam utilizar esta informação científica», refere Carlos Neto de Carvalho, geólogo da Universidade de Lisboa e responsável pelas estratégias de inventariação, protecção e promoção deste património. A ser aprovado pela UNESCO, o Geoparque da Meseta Meridional, cuja candidatura deverá ser entregue em breve à Rede Europeia de Geoparques, marcará o arranque de vários projectos ligados ao geoturismo e a implantar nos seis concelhos da Naturtejo (Castelo Branco, Idanha-aNova, Nisa, Oleiros, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão), criando para já 22 postos de trabalho. «Estamos a ultimar a parte da promoção, seguindo-se a compilação de dados para terminar o dossiê».
O plano integra uma rede de percursos geológicos como a rota da água (Termas de Monfortinho e da Fadagosa) e a criação de
pólos museológicos (coutos mineiros de Salvaterra do Extremo, Segura e Rosmaninhal), de investigação geológica (Monforte da Beira), geomorfológicos (Monsanto) e paleontológicos (Penha Garcia). «Em termos de registo fóssil, o paleozóico português é dos melhores ao nível europeu. E é importante que exista um museu temático que realce esta importância», conclui Carlos Neto de Carvalho. Prevista está também a abertura do Museu do Urânio (Nisa), bem como a classificação das morfologias graníticas da Serra da Gardunha, do tronco fóssil de Perais e das portas de Vale Mourão e de Ródão. O Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) já classificou 70 monumentos como património arqueológico e arquitectónico, tendo sido identificados na zona do futuro monumento natural nacional das Portas de Ródão 29 locais de interesse geológico, entre eles o Conhal do Arneiro, uma extensa escombreira resultante da extracção de ouro no período romano.
Já sem os garimpeiros colados ao leito do rio ou os moinhos fabricando farinha, as trilobites são agora a esperança para que o Pônsul volte a ter vida. Estes artrópodes marinhos com 480 milhões de anos (época em que a região era um vasto mar de águas pouco profundas, situado sobre o equador) e extintos há 250, haviam já sido investigados em 1883 por Nerry Delgado, pioneiro nos estudos paleontólogos e geológicos em Portugal, que então pensou tratarem-se de impressões de algas. Actualmente sabe-se que a habilidade destes seres solitários em fazer círculos era uma forma de se alimentarem, arrancando nutrientes do lodo. Até 1985, ano em que um investigador inglês fez um estudo no local, não se sabia quase nada sobre as trilobites de Penha Garcia. Em 2003, com o estabelecimento da Rota dos Fósseis, aumentou a investigação científica sobre esta jazida do Paleozóico, classificada como Descendo pelo castelo de Penha Garcia, a Rota dos Fósseis segue até ao paredão da barragem, percorrendo todo o vale e passando junto aos cinco sectores da escola de escalada que aqui tem trazido muitos portugueses e espanhóis. Para além dos grampos que suportam as cordas, entre as escarpas escondem-se vestígios dos seres que ali viveram na era do Paleozóico. Cá em baixo, o curso do Pônsul leva-nos até alguns moinhos de rodízio desactivados, pequena amostra do que resta do maior conjunto de unidades moageiras do concelho de Idanha-a-Nova.
É aqui, numa das casas recentemente reconstruídas, que encontramos Domingos Costa, funcionário da autarquia. Para além de «compor» algumas paredes destas relíquias do património rural, ele é também o guardião dos icnofósseis do vale. Já lá vai a altura em que os visitantes levavam para casa alguns destes exemplares e a população era obrigada a vigiar de perto estas "cobras pintadas". «Vou-os informando com o pouco que sei sobre as pedras. Aquelas que andam por aí soltas, para
não as levarem, guardam-se aqui», esclarece Domingos Costa, enquanto nos conduz ao pequeno cubículo onde apenas alguma luz entra por entre as telhas de canudo. Trespassada a porta baixa, vêem-se dispostos no chão e em prateleiras improvisadas exemplares da cruziana goldfussi e da cruziana furcifera, formas fossilizadas com os comportamentos típicos das trilobites, mostrando como estas se movimentavam na água, emergiam ou escavavam o lodo para se alimentarem. «0 guarda de Penha Garcia não é nenhum cientista, mas o seu fascínio estético por este tipo de traços dá-lhe a força e o interesse para os pesquisar e recolher», acrescenta o iconólogo italiano Andrea Baucon. E não faltam interessados nestes achados. Só nos últimos três meses, três mil pessoas visitaram a área do futuro parque icnológico. «A rota trouxe muito mais movimento. E se passar a geoparque, virá ainda mais gente», conclui o guardador de trilobites, segurando na mão um pequeno exemplar.

Domingos Costa cuida dos icnofósseis que vai encontrando no vale do Pônsul
Para além dos icnofósseis, no local destacam-se as dobras e os filões de quartzite

conjunto de interesse municipal e monumento natural, e cuja diversidade, dimensão e qualidade é hoje reconhecida internacionalmente. «A existência da Rota dos Fósseis faz com que seja muito fácil cá chegar. Qualquer pessoa pode aqui fazer as suas descobertas científicas», adianta Carlos Neto de Carvalho, lembrando que para o «fundador da paleontologia» esta exposição de arte a céu aberto é a mais importante ao nível global para a compreensão dos comportamentos das trilobites. «Estes vestígios só têm paralelo na Bolívia, mas aqui estão mais bem preservados», refere o próprio Seilacher.
A mesma opinião tem Andrea Baucon, da Universidade de Trieste. «Este é um dos poucos sítios do mundo onde podemos encontrar icnofósseis preservados desta forma. Vermos aqueles traços e caminhos desenhados é como mergulhar em oceanos paleozóicos», confessa o iconólogo que veio de Itália para estudar as trilobites de Penha Garcia, uma forma de se poderem analisar compor-tamentos animais que só agora começam a ser compreendidos. «É um trabalho difícil, mas tudo o que encontramos é uma nova descoberta. Exemplares destes são verdadeiras máquinas do tempo», acrescenta. Pura catarse científica ou arte pré-histórica? «Os humanos são muito antropocêntricos», graceja Andrea Baucon. «A arte pertence à natureza, e nós somos parte dela». Dilemas artísticos à parte, entre a comunidade científica é consensual o argumento de que este complexo natural pode fornecer pistas importantes sobre a origem da vida na terra. «Deambular através do registo geológico deste livro do tempo gravado nas pedras poderá ser de extrema utilidade e interesse para quem quiser perceber de onde vimos e para onde vamos", diz Carlos Neto de Carvalho. «O que temos em Penha Garcia é o primeiro capítulo de uma história muito mais longa que ao longo dos últimos 200 anos os paleontólogos têm vindo a escrever». Um livro ao qual faltará sempre a última página, mas que conta ainda com o contributo dos geólogos para ajudar a compreender um puzzle em quatro dimensões, onde o tempo é o elemento mais significativo. «Neste vale estão registados 400 metros de sedimentação, e cada nível de argila pode compreender várias dezenas de milhar de anos».

1 comentário:

Anónimo disse...

lol