quarta-feira, julho 20, 2005

Cancioneiro Cova da Beira de Maria da Ascensão Carvalho Rodrigues, Vol. I, II, III , edições da autora.

O Jornal do Fundão entrevistou recentemente o Padre Manuel Domingos, nos 50 anos de sacerdócio e nem uma referência foi feita ao trabalho etnográfico notável que o Senhor Padre tem realizado na Beira Interior, participando com eficácia, sacrifício, entrega e dedicação nas notações musicais das canções populares recolhidas. Este trabalho é pouco conhecido e apresenta uma evolução notável da técnica utilizada no I volume, conseguindo chegar à perfeição no III volume. Para divulgar um pouco deste trabalho apresento citações do Volume II, em que a autora evidencia e reconhece o apoio do Padre Manuel Domingos e apresenta-o como compositor de música litúrgica, aspecto que me merece mais investigações. Foi pena o Jornal do Fundão ter desperdiçado esta oportunidade para evidenciar o papel cultural desta figura e ter ficado só pelo seu desempenho como pároco.

In: Jornal do Fundão

PÁROCO DO FERRO E PERABOA
Padre Manuel Domingos faz 50 anos de sacerdócio
NO próximo domingo o padre Manuel Domingos celebra 50 anos de sacerdócio na vila do Ferro. O despertar da sua vocação começa desde muito novo por influência do padre da sua freguesia natal, Cabreira, concelho de Almeida. “Os meus pais rezavam todos os dias o terço. A minha família era muito praticante e íamos sempre à missa”, recordou ao JF. Na sua infância lembra-se dos tempos conturbados de Portugal, especialmente aquando da Guerra Civil de Espanha. “A Cabreira está a escassos quilómetros de Espanha e nessa altura fugiam para a minha terra muitos espanhóis com medo da guerra e muitos deles cheios de fome.” Em 1943 com apenas 11 anos e depois de concluir a quarta classe na sua terra natal vai para o Seminário do Fundão. Para o jovem seminarista foi uma das primeiras oportunidades para sair de casa: “o único carro que me lembro na minha freguesia foi o do caixeiro-viajante a vender os seus produtos ao senhor que tinha lá um pequeno comércio. A aldeia tinha perto de 100 habitantes e ficava a 25 quilómetros da sede de concelho. As estradas eram uma verdadeira dor de cabeça”, recorda. Depois de concluir o 5.º ano e com 16 anos já feitos foi para o Seminário da Guarda onde permaneceu 7 anos. A 10 de Julho de 1955 foi ordenado padre na Sé da Guarda: “Na altura só foram ordenados três padres e foi um grande momento para toda a minha família, sobretudo para os meus pais, já que, sempre fizeram questão que eu seguisse esta vocação. Dois dias depois celebrei a primeira missa na Cabreira.” Mais tarde foi enviado como coadjutor para Trancoso onde permaneceu dois anos. Regressa novamente ao Seminário do Fundão para exercer a função de Prefeito e professor de Matemática e Latim. Segundo o padre Manuel Domingos, “durante alguns anos andei com as malas às costas e também fui 4 anos para Jarmelo. O frio naquela região da Guarda era tanto que Deus me enviou para uma zona mais quente, Ferro e anos mais tarde Peraboa. Esta foi uma dádiva de Deus, disse ao JF. O gosto pelo ensino ficou-lhe arreigado no coração e mais tarde tirou o curso de Estudos Clássicos e Portugueses na Universidade de Coimbra no ano 1968 e durante anos deu aulas na Escola Frei Heitor Pinto, na Covilhã.

– Como caracteriza os seus 50 anos ao serviço da Igreja?, perguntámos ao padre Manuel Domingos.,

– “Sempre tentei cumprir aquilo que Deus queria de mim e o facto de estar a celebrar os 50 anos é sinal de que a minha missão era servir. Estou a viver este momento como pároco com muita serenidade e muita calma”, disse.

Assim, no próximo dia 10 de Julho Peraboa e Ferro vão festejar as bodas de ouro do padre Manuel Domingos na Igreja Matriz do Ferro pelas 16 e 30 e depois segue-se o jantar no pavilhão do gimnodesportivo daquela freguesia.


in:



À MARGEM DO TEXTO MUSICAL
Foi para mim uma honra o convite de D. Maria da Ascensão G. C. Rodrigues para continuar o trabalho de transcrição musical já em parte dado a conhecer em Cancioneiro - Cova da Beira da autora.
Referindo algumas das dificuldades que condicionam e tornam muito discutível a fidelidade da versão apresentada, o que torna o trabalho do estudioso uma obra sempre incompleta e defectível, alertei já para o critério adoptado na recolha do texto musical transcrito: quis apresentar apenas uma versão possível e fundamentada do texto musical, mantido na tradição oral e agora em risco de se perder para sempre se não houver o trabalho de recolha, cada vez mais urgente e difícil. (O que se não fixar por escrito nestes próximos anos, deixará, por certo, de pertencer ao nosso património cultural!).
A versão musical transcrita que procurei fosse fiel o mais possível em relação ao texto oral, cantado, que me era apresentado em diversas gravações, corresponde à interpretação fónica, na melodia e ritmo, que parecia mais correcta quando havia divergências nas fontes - e aquelas eram muitas. Tal interpretação não deixa, no entanto, de ser muito subjectiva, tendo grande relevância a sensibilidade musical.
Oxalá eu tenha optado pelo texto que pudesse vir a ser considerado o mais correcto e fiel, que só um estudo comparativo mais exaustivo poderia obter.
Um outro problema importante se põe, pelo menos em relação a certas melodias: - Em que medida elas são criação do povo ou não passam de uma versão, mais ou menos deturpada, de uma outra versão erudita e criada por alguém que nada tinha a ver com esta região.
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Ao analisarmos minuciosamente cada um dos textos apresentados, será fácil detectar alguns dos traços característicos da melodia regional e tradicional. Noutras, porém, as características, se as há, parecem estar muito diluídas.
Definir, todavia, a procedência ou circunscrever as influências recebidas, será já um problema que me ultrapassa em competência e em tempo disponível.
Será um vasto campo sobre o qual poderão debruçar-se os mestres da nossa etnografia e eruditos da ciência musical.
Técnicos especializados nestas áreas poderão completar e aperfeiçoar no futuro o que me não foi possível obter. E todos teremos a lucrar.
Pela minha parte, apenas quero reafirmar a recta intenção que sempre me orientou, de contribuir de forma positiva para salvaguardar parte do nosso tesouro artístico regional numa época em que novos padrões, unificantes e muito discutíveis, estão subvertendo e substituindo outros mais tradicionais e bem marcantes na história cultural do nosso povo.
Oxalá o tenha conseguido.

P.` MANUEL F. DOMINGOS
Agradecimentos da professora Maria da Ascensão Gonçalves Carvalho Rodrigues

do nosso património cultural popular, a merecer lugar de relevo nas nossas estantes e no nosso espírito.
Estou com Garrett quanto à sua apreciação acerca de tudo o que é popular: «O tom e o espírito verdadeiramente português esse é forçoso estudá-lo no grande livro nacional que é o povo e as suas tradições, e as suas virtudes, e os seus vícios, e as suas crenças, e os seus erros».
Creio ter já dado a minha quota-parte para o conhecimento de uma parcela do povo português com as edições de Ferro - Cova da Beira, do primeiro volume do Cancioneiro - Cova da Beira e agora com o presente Romanceiro da mesma região, onde se conservam os romances e outros cantares mais puros e mais genuínos, se bem que com um ou outro barbarismo inevitável.
Fazendo um trabalho científico de recolha, houve que respeitar fielmente as formas populares com arcaísmos, plebeísmos e regionalismos lexicais e fonéticos, de modo a que os estudiosos da língua portuguesa e do romanceiro os possam analisar, comparar e tirar as ilações já inferidas ou não de outras obras. Limando as arestas de alguns romances, ficarão textos literários mais ou menos perfeitos, mas talvez destituídos daquele sabor e graça ingénua que caracterizam as narrativas populares e que, de alguma maneira, divertem e recreiam o espírito.
Chamo ainda a atenção para as rimas mais vulgares prevalecentes ao longo de cada um dos temas mais antigos: ar, ado ou ada, ia, 1 ou im e ão.
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18. UM AGRADECIMENTO

Muitos «romances são também acompanhados da respectiva notação musical, impossível sem a prestimosa e desinteressada colaboração do Rev.° Dr. Manuel Francisco Domingos, mui digno pároco do Ferro e Peraboa, distinto professor da Escola Secundária da Quinta das Palmeiras, na Covilhã, e exímio compositor de cantos litúrgicos.
Foi uma tarefa árdua, devido às características emanentes do canto popular e também à falta de tempo; mas tenho a certeza que resultou compensadora: para o Sr. Dr. Domingos, pela alegria de também poder ser útil neste campo; para o Romanceiro, que ficou enriquecido com a parte melódica; para os amadores e profissionais da música, que encontrarão aqui trechos musicais inéditos e populares.

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