domingo, janeiro 23, 2005

Voltando a "Canção para Carlos Paredes"
Luísa Amaro e Miguel Carvalhinho





A capa do CD repoduz uma bela fotografia de Luísa Amaro e Miguel Carvalhinho, tendo a Gardunha por fundo, ao que suponho. Esta faz-nos recordar ao estado a chegou a Gardunha, depois dos incêndios que a têm assolado. Troncos consumidos pelas chamas, ausência de árvores. Notam-se alguns pinheiros que lutam pelo crescimento no solo pedregoso. O anúncio recentemente feito de que tinha sido aprovado o plano de florestação de Castelo Novo e Louriçal do Campo dá-nos esperança de que seja possível corrigir os erros que deram origem à destruição do nosso património florestal
Da leitura dos textos que acompanham o CD cito dois extractos, um deles de Jorge Mourinha que chama a atenção para um aspecto por mim já abordado, que é a relevância do trabalho do mestre Carlos Paredes, cujos alunos pretendem homenagear e não recriar. Um outro de João Pereira da Silva que refere o preconceito de que a guitarra portuguesa só deve ser tocada por homens. Esse preconceito, na minha opinião, é relativamente recente e está associado ao fado marialva, que admitia a intervenção da mulher como fadista, mas reservava o papel de instrumentista para homens. Mas, se formos à origem da guitarra portuguesa constataremos que a mulher, como executante, está ligada à sua divulgação. Era relativamente frequente, no século XIX, encontrarmos instrumentistas femininos. A Ilustração Portuguesa reproduz representação de instrumentista feminino de guitarra portuguesa e vários textos reforçam e afirmam o papel das instrumentistas de guitarra portuguesa, na sua divulgação. Luísa Amaro é tão só mais uma instrumentista e não precisa de disputar esse papel aos homens. É, simplesmente, uma executante virtuosa desse instrumento.




UMA PEQUENA MÚSICA...
JORGE MOURINHA
“...
Basta, aliás, perceber o carinho com que Luisa Amaro e Miguel Carvalhinho se dedicam afincadamente a serem fiéis àquela definição de Paredes que sempre norteou a sua carreira: a convicção inabalável de perpetuar uma —pequena música» que, à sua modesta maneira, se limita a contribuir para enriquecer o nosso quotidiano. Repare-se no modo como eles recriam as peças de Paredes, propondo leituras que, fiéis embora à matriz melódica, se distanciam abertamente do timbre plangente e apaixonado do Mestre; com todo o respeito de alunos que sabem nunca conseguir chegar ao nível do professor, mas também com a certeza de que a sua leitura, recusando o perfeccionismo em nome de uma espontaneidade e de uma frescura que raramente sentimos nas gravações demasiado codificadas ou virtuosas de guitarra portuguesa, mais não ambiciona a ser do que um outro modo de olhar para um legado que precisa de ser visto a outras luzes, de outros modos, com outros olhos. Nas mãos de Luisa Amaro e Miguel Carvalhinho, as guitarras deixam de ser instrumentos reservados a uns poucos iluminados com um dom inatingível. Na aposta na gravação ao vivo sem overdubs, mantendo intactos os erros e as falhas naturais (e, muitas vezes, inaudíveis aos leigos) a uma interpretação, sente-se a humanidade e a humildade que Paredes sempre nos comunicou através da música.
...”



GUITARRAS, CORDAS DE SEDA
JOÃO PEREIRA DA SILVA
0 preconceito de que a guitarra portuguesa só deve ser tocada por homens não faz sentido. A guitarra serve para ser tocada e pronto. E neste disco ela sobe a outros lugares. Provavelmente à sua origem. Soa aos instrumentos seus antepassados, de forma diferente. Lembra o bandolim, com outros sons. E a diferença é feita pelas mãos de uma mulher. Aqui, a guitarra portuguesa não mantém a tradição de protagonista. Ela partilha o seu espaço com a guitarra clássica, que não se limita a acompanhá-la um ente só. E o som que delas sai é sedoso, aveludado.”

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